A Estratégia Lidera o Líder ou o Líder lidera a Estratégia?

Nos momentos de turbulência na economia, quando as empresas começam a se preocupar com medidas efetivas para sua sustentabilidade, de forma geral um dos temas que toma relevância é a liderança. Nesses momentos surgem muitas discussões, novas abordagens e propostas metodológicas, sempre voltados à importância do desenvolvimento de líderes nas organizações e às diversas possibilidades e formas utilizadas com essa finalidade.

O tema liderança suscita uma abordagem muito ampla e para que o líder possa melhor entender e avaliar o perfil e atributos que compõe seu escopo de atuação na organização, a seguir citamos alguns pontos que diferenciam a posição funcional e ou categorizam os estilos de liderança:

  • Nível de autonomia de tomada de decisão;
  • Nível de complexidade constatado no exercício das ações e projetos;
  • Impacto da atuação sobre os resultados do negócio;
  • Visão de curto ou longo prazo;
  • Dinâmica de condução das práticas de gestão – processos estáveis, inovação permanente, infusão de novas competências individuais e organizacionais e mudança cultural.

Para responder às necessidades da organização, ocupando os espaços e demandas em toda a estrutura, as lideranças assumem papeis e responsabilidades nos diversos níveis funcionais e, assim, se complementam em uma cadeia de responsabilidades, constituindo uma rede onde algumas lideranças atuam no cenário estratégico, focam no longo prazo e nas estratégias de mercado relacionadas ao negócio, outras lideranças já atuam na perspectiva de médio e curto prazo, com foco em transformar essas estratégias em planos, projetos e programas exequíveis e mensuráveis, criando condições para a execução de ações e explicitando os indicadores de resultados e, outro grupo de lideranças assumem o comando operacional, como executores, prontos para cumprir as entregas planejadas de acordo com as decisões estratégicas da organização.

A intenção deste artigo é abordar a liderança estratégica, inter-relacionando a questões muitas vezes intangíveis, que refletem os grandes ativos atuais e futuros da organização.

Segundo Ireland e Hitt (1999) liderança estratégica é definida como “a capacidade de prever, imaginar, manter a flexibilidade, pensar estrategicamente e trabalhar com outras pessoas para dar início às mudanças que proporcionarão um futuro viável a empresa”. A liderança estratégica pressupõe a habilidade de influenciar subordinados, pares e superiores com vistas a uma visão comum do que a organização deve ser, para que a tomada de decisões rotineiras seja coerente com essa visão. Barney, 2001 acrescenta que “isso implica a existência de um acordo entre os gerentes corporativos e os gerentes de divisões sobre oportunidades e ameaças, dados os recursos e capacidade da organização”.

Influenciar funcionários a tomar, voluntariamente, decisões que ajudem a organização é o aspecto mais importante da liderança estratégica. Tichy e Cohen (1997) citam que “quando não se pode controlar, dar ordens ou monitorar, a única coisa que nos resta é confiar. Isso significa que os líderes precisam ter certeza de que as pessoas em que estão confiando têm valores para tomar as decisões e atitudes que eles querem”.

A liderança estratégica mantém atenção no que a organização necessita, tanto a curto quanto em longo prazo, delegando e monitoramento o controle de processos a gerentes e funcionários, pois são estes os tomadores de decisões todos os dias quando interagem entre si e em grupos de poder, principalmente clientes, fornecedores e as comunidades onde atuam. Ao confiar na equipe para tomar decisões que beneficiem a organização, o líder se libera para dedicar-se ao negócio, olhar o futuro e construir pontes para tornar a visão realidade.

A criação de valor nas organizações é uma tarefa complexa e desafiadora, cabendo à liderança estratégica criar as condições favoráveis para esse processo e para a maximização do retorno do investimento. A seguir algumas práticas de gestão comuns das lideranças estratégicas:

  • Enfatizam o comportamento ético;
  • Supervisionam responsabilidades rotineiras e estratégicas a longo prazo; Formulam e implementam estratégias para impacto imediato e preservação de metas de longo prazo a fim de aumentar a evolução, a sobrevivência e a viabilidade organizacional;
  • Usam controles estratégicos e financeiros, enfatizando o estratégico;
  • Tem expectativas em relação à sua performance, de seus superiores e subordinados sempre grandes e otimistas;
  •  Alternam o uso de conhecimento explícito e tácito em relação ao indivíduo e a organização, adotando padrões lineares e não linear;
  • Acreditam na adoção de estratégias, isto é, suas decisões estratégicas fazem diferença e isso impacta os ambientes externo e interno da organização;
  • Para melhorar a performance futura da organização orientam o processo de geração de conhecimento incentivando a capacidade de integrar conhecimentos tácitos e explícitos individuais, grupais e organizacionais para criar inovações organizacionais e tecnológicas;
  • Tem visão de futuro e a reconhece como uma construção com várias pessoas, de vários estilos, tendo a diversidade em sua essência;
  • Buscam transformar o direcionamento da empresa em diretrizes, a visão em prática e o propósito em processos.

O exercício competente da liderança frente às organizações é reconhecidamente fator primordial para fazer a diferença. Esse diferencial é nítido, nota-se quando observamos os indicadores de desempenho de uma equipe orientada por um líder capaz de definir estratégias alinhadas ao negócio, engajar os envolvidos e manter uma visão focada nos resultados, tanto no contexto individual como da organização.

Na perspectiva de manter atenção em questões que sinalizam espaços a serem trabalhados, com vistas a transformações permanentes, visando adequações a curto ou longo prazo, citamos a seguir algumas situações que integram o comportamento organizacional e, pela sua importância e impacto no desempenho organizacional, devem compor a agenda dos líderes para análise e reflexão:

  • Organizações com grande longevidade, que saíram de grandes crises ou que tem perpetuado seus resultados são totalmente baseadas em elementos concretos ligados a capacidade de gerarem no ambiente organizacional: Propósito, Engajamento, Fortalecimento da Cultura Organizacional e Significado.
  • A distância entre discurso e prática, valores e processos, estratégia e operação estão levando as empresas a grandes perdas, sejam elas, ligadas a seus resultados e produtividade, como também a climas organizacionais hipócritas ou hostis.
  • Verdade, transparência e compartilhamento de resultados não podem ser meros conceitos presentes em credos ou em políticas corporativas, precisam ser percebidos no cotidiano das organizações, nas suas tomadas de decisões e nas histórias vividas por cada colaborador.
  • Somado a isto temos as novas gerações cada vez mais insatisfeitas com as estruturas rígidas das organizações, com a predominância da hierarquia há uma organização viva, que gerem desafios e aprendizagem.
  • Planos de carreiras longos em uma mesma organização e a busca constante por realização, além das multicarreiras e das carreiras sem fronteiras estão cada dia mais presentes no mundo corporativo,
  • Apenas 13% dos profissionais no mundo estão comprometidos com seu emprego ou com sua organização, segundo pesquisa do Instituto Gallup, realizada em 142 países.
  • Segundo pesquisa da Deloitte, no Relatório Human Capital Trends em 2015, 9 em 10 executivos apontam cultura organizacional e engajamento como os principais desafios globais no mundo corporativo.

Partindo das reflexões destes e outros elementos, alguns questionamentos podem ser suscitados, a saber:

  1. E de quem é a responsabilidade de lidar com este cenário?
  2. E de quem é a responsabilidade de transformar este ambiente improdutivo em um ambiente propício?
  3. Quem pode de fato construir um ambiente colaborativo que fortaleça a cultura organizacional e crie organizações de sucesso?

E, a partir das constatações acima, novas reflexões podem ajudar a evoluir sua capacidade de análise e domínio da realidade. Para tanto podem perguntar-se:

  • Os programas e/ou atividades realizadas na empresa voltados, às lideranças estratégicas, trabalham estas questões ou dão suporte às lideranças de como gerenciar estes aspectos?
  • Tenho clareza de como estes aspectos intangíveis, aqui citados, são trabalhados na organização?
  • Nossos líderes são competentes para transformar estes aspectos em ativos na organização?

Sem dúvida, apenas as lideranças estratégicas podem assumir esta missão. Para tal, é necessário que estas lideranças coloquem nos seus radares que elementos como Propósito, Engajamento, Cultura Organizacional e Significado são variáveis estratégicas para a perpetuidade de uma organização e para a construção de uma base sólida geradora de resultados positivos permanentes.

Essencial que estas lideranças estejam capacitadas para desenvolver e implementar estratégias, ferramentas e competências para trabalhar de forma pragmática os elementos supracitados, sendo competentes para realizar o mapeamento do atual estágio da organização nestes aspectos, saibam construir Planos de Ação para mudança deste cenário e maneiras de monitorar esta evolução.

Encontramos no artigo Liderança e Gestão Estratégica de Pessoas: Duas Faces da mesma moeda (Novaes, Marcos Bridart e outros) um instrumento de avaliação utilizado com as lideranças, conforme citado a seguir, que facilita a compreensão e avaliação do líder desta prática de liderança:

Leia as perguntas a seguir e, segundo sua atuação como líder, analise o que acredita ser mais importante no seu dia a dia e escolha qual das duas opções é mais importante ou se as duas são igualmente importantes:
1) Organizar e treinar pessoas (treinar) ou as alinhar com as estratégias da organização (alinhar);
2) Prover senso de direção (direção) ou planejar como metas são atingidas (metas);
3) Iniciar e manter esforços para a mudança (mudança) ou gerenciar processos para que estes sejam estáveis (processos)
4) Fazer e acompanhar planos de ação e orçamentos (planos) ou oferecer à equipe uma visão e uma missão focada em resultados (missão visão).

Para identificar o estilo de gestão predominante das lideranças, faça uma tabela com os resultados e compare as respostas. A sugestão é que pesquise as escolhas mais utilizadas pelas lideranças capacitadas para o exercício da função e aquelas que ainda não participaram de treinamentos para elevar sua capacidade de liderar:

Pergunta 1AlinharTreinarIgualmente
Com curso de liderança
Sem curso de liderança
Pergunta 2DireçãoMetasIgualmente
Com curso de liderança
Sem curso de liderança
Pergunta 3MudançaProcessosIgualmente
Com curso de liderança
Sem curso de liderança
Pergunta 4PlanosMissão VisãoIgualmente
Com curso de liderança
Sem curso de liderança

Segundo os autores o objetivo deste instrumento de pesquisa não é obter percepções sobre liderança com rigor estatístico e sim compreender melhor como os entrevistados se posicionam e se compreendem os temas propostos.

Harrison, 2005 nos lembra que lideranças dos diversos setores de mercado são associadas com a quebra de padrões tradicionais e com o desafio de práticas aceitas no setor. A lideranças das organizações e nas organizações precisam apresentar competências como criatividade, intuição, autenticidade, determinação, ousadia, foco em resultados e visão de longo prazo. Estas competências nem sempre são obtidas com sistemas de recompensas tradicionais e ferramentas integrativas de performance. Existe uma lacuna que deve ser desenvolvida com o encorajamento para assumir riscos e ousar pensar de forma diferente.

O treinamento e desenvolvimento contínuo dos líderes parece ser de suma importância, vez que para responder às demandas da função é imprescindível a atualização constante, ampliação de competências, troca de experiências e reflexões centradas nos pontos fortes e fracos do indivíduo, da sua atuação em grupos e na organização.

Referências:

Dave Ulrich, O Código da Liderança, Rio de Janeiro: Best Seller, 2014.
Kotter, John P., Liderando Mudança, 20ª edição, São Paulo: Elsevier, 1997.
W. Glenn Rowe, Artigo Liderança Estratégica e Criação de Valor, ERA, v.42, 2002.
Novaes, Marcos Bridart e outros, Liderança e Gestão Estratégica de Pessoas: Duas Faces da mesma moeda, 2007.

Fábio Rocha

Especialista em Carreira, Consultor em Sustentabilidade, Professor, Coach e Diretor-Executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.

Maiza Neville

Especialista em Carreira, Consultor em Gestão de Pessoas por Competências, Professora, Coach e Diretora-Executiva da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade.